O amargo gosto da guerra

3/19/2015 0 Comments

Hamilton cobriu a Guerra do Vietnã durante 40 dias

Em 1968, o repórter José Hamilton Ribeiro foi escalado para cobrir a Guerra do Vietnã pela revista Realidade. Nenhum correspondente brasileiro havia ido até o país, e Hamilton aceitou o convite feito pelo veículo de comunicação. Batalhou para conseguir o visto e instalou-se, inicialmente, em Saigon, capital do Vietnã do Sul, poucos dias depois da ofensiva do Tet, que deixou arrasada a cidade.

Hamilton foi enviado para cobrir 40 dias da guerra, mas, convidado pelo fotógrafo Shimamoto a ficar mais um dia, permaneceu para acompanhar uma missão das tropas americanas na Estrada Sem Alegria. A ida trouxe uma grande consequência para o jornalista: a perda da perna esquerda. O acidente o levou a questionar diversos assuntos, incluindo a profissão, durante o tempo em que ficou internado. Em contrapartida, o repórter de guerra é, ainda hoje, considerado um dos maiores profissionais da imprensa brasileira. Suas experiências culminaram no livro O Gosto da Guerra, relançado em 2005 pela editora Objetiva.

Durante sua estada no Vietnã do Sul, Hamilton apresentou detalhes do comportamento dos soldados americanos, analisados por ele nos quarenta dias em que ficou hospedado nos quartéis dos estadunidenses e foi, por eles, escoltado em missões e investidas contra os vietcongues. Cumprindo a regra jornalística que determina a necessidade de escutar os dois lados para a produção de uma reportagem, ele tentou ir ao Vietnã do Norte, mas a viagem foi impossibilitada porque lhe foi negado o visto. Nas memórias do repórter, entretanto, são narradas histórias relacionadas à ocasião e ao rápido encontro do homem com um vietcongue.

As narrativas da guerra oferecem um panorama sobre o conflito que se estendeu de 1955 a 1975 e, também, sobre a cultura e costumes locais. A luta das mulheres ao lado dos vietcongues e da Frente Nacional para a Libertação (FNL), visando combater os inimigos e a opressão a que eram submetidas, e os ritos religiosos como forma de se aproximar das divindades e obter os pedidos desejados (apresentados a partir do excelente exercício de estranhamento, possibilitado pelo distanciamento natural, feito pelo autor) são alguns pontos abordados por Hamilton, entre as recordações de sua passagem pelos hospitais do Vietnã.

Táticas e atos militares dos Estados Unidos, morte indiscriminada de habitantes das regiões durante os confrontos, o papel dos americanos na derrota de seu país, vinculados à comprometida busca pela informação, levam o leitor a uma ampla compreensão acerca da Guerra do Vietnã, sob o ponto de vista de Hamilton, que experimentou, segundo suas próprias palavras, o amargo gosto da guerra. 

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Mais do mesmo

3/19/2015 0 Comments


Simplesmente Acontece – Quem aprecia cinema sabe que, em larga escala, as histórias produzidas atualmente visam o lucro. Para alcançá-lo, a equipe se adéqua apenas às exigências do mercado e elabora longas-metragens conhecidas como blockbusters, que, fatalmente, atrairão grande quantidade de pessoas para as salas espalhadas pelo mundo. Não há preocupação em cumprir um dos maiores papéis da arte: envolver o espectador a ponto de produzir reflexões e discussões a partir do que é mostrado, como ocorre tanto em filmes estrangeiros — Efeito Borboleta (2004), de Eric Bress e J. Mackye Gruber — quanto em brasileiros — Solidões (2013), de Oswaldo Montenegro.

No entanto, a relação esperada entre arte e público não é uma das preocupações presentes em “Simplesmente acontece”, dirigido por Christian Ditter. O roteiro, adaptado do livro homônimo de Cecelia Ahern, abusa das fórmulas repetitivas e enjoativas sobre o final da adolescência e novas experiências de personagens entre 18 e 30 anos, sempre focando em desencontros amorosos. Não há novidades no enredo que possam ser aproveitadas e extraídas da história sem temperos e maiores atrativos, podendo levar o espectador ao tédio com apenas vinte minutos de filme.

A história se passa na Inglaterra e nos Estados Unidos. Dois jovens, Rosie (Lily Collins) e Alex (Sam Claflin) são alunos da mesma escola. Os personagens, adolescentes no começo da história, são amigos desde a infância. Mas, como esperado em filmes de comédia romântica, ambos nutrem sentimentos até então impossíveis de serem concretizados. Ela namora outros rapazes, assim como ele mantém relacionamentos com outras meninas, e nenhum dos dois deseja ceder ao romance, sendo este o atrativo para os admiradores do gênero.

Ambos querem sair da Europa para a América do Norte com o objetivo de estudar. Ela visa a Universidade de Boston e ele, Harvard. Ao ser aprovada na instituição, Rosie descobre que está grávida e abre mão do seu sonho de cursar Hotelaria. Alex, sem saber da situação da amiga, parte para outro continente e promete esperá-la. A garota, então, dedica-se à filha Katie. Mas o amor platônico pelo rapaz não é esquecido, e eles continuam a se corresponder periodicamente. O desenrolar da história, como anseiam os espectadores envolvidos com o sonhado namoro dos personagens — tática usada por escritores, roteiristas e demais criadores para manter o público preso à narrativa — culmina no esperado fim para os longas-metragens do estilo.

Ao longo do filme, determinadas sequências indicam outros possíveis caminhos mais interessantes para a história, como as consequências da morte do pai da protagonista e o impacto da gravidez na vida da jovem, que troca os estudos pelo papel de mãe em tempo de integral.

Uma dessas cenas mostra o diálogo entre os personagens, no qual Rosie explica a Alex o motivo de não ter contado sobre o nascimento de sua filha. A protagonista diz ao amigo que esta seria a única forma de alguém continuar a vê-la como Rosie, e não como uma estranha. A conversa demonstra a dificuldade de amadurecimento da mulher, que não consegue se enxergar, agora, como adulta e gostaria de manter, por meio do amigo, um vínculo com o passado, representando o sentimento de meninas despreparadas para a maternidade.

A despeito da existência de outras perspectivas para a história, o roteiro de Juliette Towhidi deságua no previsível (o amor mal resolvido do casal) e afunda na entediante mesmice, indo de encontro às possibilidades narrativas que poderiam ser exploradas para melhor aproveitamento do filme.


Publicado na coluna Bagdá Café, do jornal Folha da Manhã, e no Blog Opiniões no dia 18 de março.

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Conto: Rogai por nós

3/12/2015 0 Comments



Como fazia todo o final de tarde, ela pegou sua pequena bíblia e se sentou na beira da cama. Afastou os ralos cabelos brancos dos olhos verdes. Abriu na página marcada, leu, rezou, chorou. Refletiu. Novamente, abriu uma página. Dessa vez, aleatória. E, mais uma vez, leu, rezou e chorou. Não mais refletiu. Eram seis da tarde, hora da Ave Maria.

No embalo do sino da igrejinha, rogou que a santa lhe desse toda a bênção necessária para prosseguir. Para amanhecer de novo. Para afastar todas as sombras que se puseram em sua frente. Pediu a Maria que, como mãe, protegesse essa filha perdida.

Às seis horas e dois minutos, quando o soar do sino havia cessado, colocou a bíblia sobre a mesa ao lado da cama. Andou pelo quarto. Olhou as paredes, cheias de manchas e histórias. Pensou em Maria. “Mãe, rogai por nós. Rogai por mim.” E, em meio às súplicas, repetiu o caminho até a bíblia. Segurou. Abriu. Leu. Rezou. Chorou. Deitou.

E, agarrada à fé, acreditou que amanhã seria melhor. Mas, desconfiando da fé, ela sabia que amanhã seria uma repetição de hoje, que imita o ontem, que reproduz o anteontem. Era o eterno retorno de Nietzsche. Era a reprise das piores telenovelas. Era a mesmice de sua vida.

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A arte de perder

3/12/2015 0 Comments


Para sempre Alice A fusão de arte e vida, em que ambas são diariamente misturadas e se confundem, é uma questão indiscutível. A temática do Mal de Alzheimer é um assunto corriqueiramente abordado — tanto superficial quanto minuciosamente —, no cinema, em filmes como A Separação (2011), de Asghar Farhadi, e Há tanto tempo que te amo(2008), de Philippe Claudel; e na literatura, na obra O lugar escuro, da jornalista Heloísa Seixas. Novamente o tema retorna às telas, no filme Para sempre Alice, dirigido por Richard Glatzer e Wash Westmoreland.

Baseado na obra de ficção homônima de Lisa Genova, Para sempre Alice, por meio de cenas ricas que afloram perturbadores sentimentos no público, mostra a realidade dos pacientes diagnosticados com mal de Alzheimer — somente no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer, há mais de 1,2 milhão de enfermos. Alice Howland, interpretada por Julianne Moore, é uma renomada professora americana de Linguística, que leciona na Universidade Columbia, conhecida pelas produções acadêmicas e incontestável inteligência.

Os primeiros traços da doença aparecem suavemente durante o jantar em comemoração ao aniversário da docente, no momento em que ela confunde uma conversa sobre as filhas e se refere à irmã, morta na juventude. No entanto, a confusão, como ocorre diariamente em quadros clínicos ainda não diagnosticados, passa despercebida por todos os presentes.

O avanço do Alzheimer começa a ser notado pela mulher durante uma palestra proferida na universidade, quando lhe falta uma palavra comumente utilizada. A partir de então, Alice se perde, conforme ela própria afirma, e seu lugar é tomado por uma mulher emocional, física e
mentalmente frágil e debilitada. À medida que a doença evolui rapidamente, percebe-se ainda mais a semelhança com o cotidiano no qual vivem os enfermos. Nesses momentos, o diálogo entre ficção e realidade se torna ainda mais nítido, ao mostrar as degradações e perdas, tanto emocionais quanto físicas, trazidas com a passagem do tempo.

Notando-se cada vez mais incapaz de exercer suas funções cognitivas normais, Alice recorre a mecanismos eletrônicos e manuais que possam ajudá-la a manter-se conectada ao mundo real e às suas memórias. Os dias de linguista tornam-se tão nebulosos quanto as lembranças que
permearam seu cérebro por 50 anos, idade em que foi diagnosticada com mal de Alzheimer.

Os danos causados são apresentados por meio de cenas turvas e pouco nítidas, equivalentes à confusão mental da professora, fazendo o espectador enxergar o mundo através dos olhos vagos de uma Alice abatida e lívida, sem o ar sóbrio que lhe era característico. Em uma sequência, enquanto a personagem caminha pela praia, a captação das imagens é feita em plano aberto, colocando-a sozinha diante da areia e do mar. A sensação de vazio, causada pela ausência de outros elementos cênicos, é a representação imagética da situação da mulher, em que os detalhes mais íntimos desaparecem por completo de sua memória, deixando-a órfã de si mesma e entregue à solidão absoluta.

Em um discurso proferido na Associação de Alzheimer, Alice Howland traduz a percepção das pessoas enfermas acerca da nova realidade e, também, o sentimento dos espectadores que acompanham, em aproximadamente 1h40 min, a curva descendente da vida da protagonista. Brilhantemente montado e dirigido, o filme facilita a empatia entre o público e a personagem.

A temática, embora recorrente, é abordada com total verossimilhança, e o longa-metragem destaca-se, sobretudo, pela atuação de Julianne Moore, que incorpora plenamente a personagem após o diagnóstico de Alzheimer da linguista. O papel rendeu à artista os merecidos prêmios de Melhor Atriz do Oscar, do BAFTA e do Prêmio Critic’s Choice, e, também, de Melhor Atriz em Filme de Drama do Globo de Ouro.

No decorrer do filme, a troca entre o público e a protagonista é plena, fazendo doer em nós, sujeitos passivos e meros receptores, todas as limitações e receios da mulher, visto que, dia a dia, também deixamos para trás um pouco de nossa história.



Publicado na coluna Bagdá Café, no jornal Folha da Manhã, e no Blog Opiniões, no dia 11 de março.

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Conto: 16

3/12/2015 0 Comments


Sexta-feira. Duas e quarenta e cinco. O último pedaço de frango escapou mais uma vez do garfo, que o espetou em seguida. Com as mãos brancas, ele levou o alimento à boca e depositou os talheres sobre o prato.

Em 15 minutos, estaria em casa. Expectativas para o final de semana. Levantou-se vagarosamente. Colocou o guardanapo sobre a mesa. Empurrou, com a panturrilha, a cadeira branca de plástico, levemente manchada. Não reparou o homem que havia se posicionado à sua frente.

Ergueu a cabeça para pedir licença e desejar-lhe um bom fim de semana, com seu sorriso torto de malandro.

Respirou. Abriu a boca. A cabeça e a arma. A arma na cabeça. Suspiro. Amigo, leve o que quiser, mas não atire.

O barulho do gatilho. Eco do pedido não atendido. O sangue jorrando enquanto a mão furtiva roubava o celular e o dinheiro do almoço. Os olhos parados diante de outros olhos apavorados e questionadores e revoltados pelo homem que havia se transformado em estatística.

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Meu Brasil brasileiro

3/12/2015 , , 0 Comments

"Brasil, terra boa e gostosa"

No fundo, o peito estremece de orgulho. Olho para o Brasil e vejo as belezas naturais. Cachoeiras, rios, riachos. Montanhas, morros, vales. Planícies. O céu, ora azul, ora negro, alternando sol e estrelas. O brilho da lua sobre o calçadão de Copacabana e o Rio Paraíba do Sul. A estação da Sé, com idas e vindas; procuras e encontros. O Rio sob a proteção do Cristo Redentor que, como afirmava Cazuza, tem “os braços sempre abertos, mas sem proteger ninguém”.

Qual o quê! Brasil é terra protegida. Brasil é Catolicismo, Espiritismo, Umbanda. É São Jorge, Chico Xavier, Iemanjá. É o sorriso iluminado do sambista que alegra as tardes de domingo. E é, também, a rima do poeta que, por meio de seus traços e sensibilidade, possibilita reflexões sobre Eu, Tu e Eles. Brasil é a praia que, no meio do dia, está cheia de sonhos e planos estendidos sobre a areia.

É a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, que presenciou não só a chacina, mas também o cordão humano formado por padres para proteger aqueles que compareceram à missa pela morte do estudante Édson Luís, assassinado no restaurante Calabouço por militares durante o período ditatorial.  

Brasil é terra de Caetano Veloso, Ivan Lins, Rita Lee, Renato Russo. É a casa de Maria, Clarice, Benjamim, Madalena, Nancy, Luiza, Paula e Bebeto. É o berço das composições do Irmão do Alemão. É o palco principal de Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Lucinha Lins, Antônio Fagundes, Carlos Vereza, Beth Goulart; da guitarra de Pepeu Gomes e da voz de Milton Nascimento. Se Deus tivesse voz, seria a de Milton, já dizia Elis Regina.

Verde, amarelo, azul e branco. Pátria-Mãe de filhos célebres. Viu nascer em seu seio João Grilo e Chicó. Como foi? Não sei. Só sei que foi assim. Em seu solo, viu derramadas lágrimas da estilista Zuzu Angel, enquanto buscava por seu filho, Stuart, assassinado cruelmente em 1971, na Base Aérea de Santa Cruz, fato elucidado pela Comissão Nacional da Verdade, responsável por fazer o brasileiro conhecer sua dolorosa e lamentável história. 
  
Apesar do Festival de Besteiras que Assola o País, o Brasil é terra santa. É espaço de criações que, cá para nós, desbancam quaisquer produções estrangeiras vorazmente consumidas pelos nossos adolescentes. Tragédias e comédias, realidade e ficção, braços, abraços e beijos. Suor e calor. Arte. Bichos de sete cabeças e trens para as estrelas. Brasil é a prova de que Deus e o Diabo podem conviver pacificamente na Terra do Sol.

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Herdeiros do Bim Bom

3/10/2015 1 Comments


"Chega de saudade" reúne histórias dos músicos que originaram a Bossa Nova

Ruy Castro afirmou certa vez, em uma entrevista, que, por não ter vocação para música, optou por escrever sobre esse tema ao qual tem se dedicado com afinco desde a década de 90, dividindo seu tempo, também, entre leituras, cinema, futebol e biografias.

Em Chega de Saudade, lançado na década de 90, Castro proporciona ao leitor uma viagem no tempo, apresentando os primeiros passos daquele que, em sua quietude e desordem, seria, alguns anos depois, o expoente da Bossa Nova: João Gilberto. A partir da infância do músico em Juazeiro, na Bahia, o escritor reconstrói detalhadamente toda a história do gênero musical que, no começo, era considerado devaneio de jovens descontentes com o que existia no cenário da época.

A batida descoberta por João Gilberto, após ser difundida e compreendida tanto por jovens quanto pelos mais conservadores, se transformou no xodó dos músicos da época. No ínterim entre a busca pelo novo e a difusão da Bossa Nova, grandes músicos surgem e se destacam no Rio de Janeiro, como Tom Jobim, João Donato, Sylvinha Telles, Maysa, Nara Leão, Roberto Menescal, Carlinhos Lyra, Elis Regina, Edu Lobo e outros. São apresentadas, também, histórias de renomados artistas como Lúcio Alves, Dick Farney, Dick Haymes, que dividiam opiniões entre os jovens cariocas, e do unanimemente adorado Frank Sinatra.

Tida, hoje, como ultrapassada pela nova geração, a Bossa Nova continua a influenciar os brasileiros, tanto pela sua história quanto pelo seu tom. O livro Chega de Saudade possibilita o conhecimento não apenas do surgimento do estilo musical, mas do contexto em que se deu esse nascimento. A narrativa construída por Ruy Castro é resultado de conversas com cerca de 200 entrevistados e pesquisas.

No epílogo, Castro revela que, “segundo dados oficiais, ‘Garota de Ipanema’ rivaliza com ‘Yesterday’, de Lennon & McCarntney, na casa dos 5 milhões de execuções, e ‘Águas de Março’ foi apontada pelo crítico Leonard Feather como uma das dez canções do século’”. Os números revelam aos brasileiros a riqueza de nossa cultura, embora a Bossa Nova, hoje, seja lamentavelmente desvalorizada pelos mais jovens. E a obra de Ruy Castro nos transporta inteiramente para o cotidiano dos boêmios cariocas, tornando-nos parte de uma história da qual somos felizes herdeiros. 

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Flores raras e banalíssimas

3/05/2015 , 2 Comments



Flores raras - Uma linda história que tem como principal tema, não a relação entre Lota e Bishop, mas a luta de Lota para construir o Aterro do Flamengo e como isso acabou com ela. No livro homônimo, a questão é mais exaltada.

A vida de Lota é permeada de lutas e conquistas. Determinada, ela sempre foi caracterizada pela força de vontade e naturalidade como se apresentava ao mundo e à vida: sem máscaras, sem falsos pudores, sem deixar de falar o que tinha vontade e com sua linguagem direta e, ao mesmo tempo, terna e carinhosa com todos.

Bishop é um caso à parte. Uma poeta americana, inteligente, mas que se anulou frente à força e determinação de Lota, mostrando-se frágil e dependente, o que acaba irritando um pouco as amigas da parceira, que sequer percebiam a inteligência da poeta.

Mas não estou aqui para falar de algo que tem sido tão divulgado pela mídia, com o lançamento do filme do Bruno Barreto. E sim para reclamar  do fato de que em nossa cidade, Campos dos Goytacazes, muito problemática, o filme, lançado em 2013, jamais foi exibido. Me pergunto o motivo desse absurdo, pois em Macaé, município vizinho, houve exibição.

Lamentável é a única palavra que posso usar para me referir ao fato.

Leiam o livro e vejam o filme. Não se arrependerão.


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Letras, músicas, casos e acasos

3/05/2015 , 1 Comments


A obra Letra e música: a canção eterna e a palavra mágica, do jornalista e escritor Ruy Castro, dividida em duas partes, aborda questões relacionadas à música, no primeiro volume, e ao jornalismo e literatura, no segundo.

Histórias e canções que embalaram o Rio de Janeiro desde os primeiros anos do século XX até a atualidade, revelando peculiaridades de músicos e compositores – como a comunicação de Tom Jobim com pássaros e sua relação com a natureza e a reação da Banda de Ipanema no momento da morte de Pixinguinha – possibilitam ao leitor maior conhecimento acerca do cenário cultural carioca, a partir do qual tiveram origem diversos movimentos que, até os dias de hoje, refletem na forma e no conteúdo produzido por artistas contemporâneos.

A riqueza de detalhes – características das obras do escritor – com que são narrados os casos que envolvem músicos da Cidade Maravilhosa se sobrepõe à segunda parte, na qual são apresentados textos, todos produzidos e publicados inicialmente no jornal Folha de São Paulo, sobre literatura e jornalismo. Nesse bloco, são contadas, também, as experiências do escritor enquanto jornalista e biógrafo, que, até o momento, se dedicou a apurar e conhecer a vida de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda.

Lançado em 2013, o livro reúne 64 crônicas produzidas entre 2007 e 2013 para a coluna do autor no diário paulista. Assim como em outras obras de resgate histórico e cultural, Ruy Castro oferece ao leitor grandes informações e conhecimento sobre os fatos abordados e o contexto no qual eles aconteceram.

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A luxuosa bonequinha de Herpburn

3/05/2015 1 Comments


Bonequinha de Luxo - Um dos temas mais corriqueiramente abordados, tanto em novelas quanto em filmes de qualidade discutível, é o famoso “golpe do baú”, no qual um personagem tenta, muitas vezes em vão, unir-se a outro por interesses econômicos escusos. Poderia ser esse, também, mais um episódio do cotidiano. No entanto, na década de 60, quando foi lançado Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961), outros assuntos apareciam com mais evidência devido ao contexto político e histórico pelo qual transitava o mundo.

Apesar da amplitude de possibilidades temáticas e ideias das quais poderiam se servir os diretores, o longa-metragem, baseado no livro homônimo do jornalista Truman Capote, é um dos mais lembrados atualmente pelos cinéfilos. Em grande parte, o reconhecimento de Bonequinha de Luxo, dirigido por Blake Edwards, deve-se à nobreza e glamour da atuação da belga Audrey Hepburn, uma das musas do cinema, morta em 1993 devido a um câncer de apêndice.

A história se passa em Nova York. Audrey interpreta a jovem ambiciosa e, por vezes, inocente Holly Golighty, cujo sonho é casar-se com alguém que possa realizar seus desejos materiais. No entanto, a vida de Holly esbarra em situações que não podem ser controladas pela personagem. Encontros inesperados, surpresas e mortes, que a tornam aparentemente mais firme para conquistar o que considera certo para si.

Holly conhece um jovem escritor rufião chamado Paul Varjak (George Peppard), que sobrevive sob cuidados financeiros de Mrs Failenson (Patricia Neal). Com a proximidade, a protagonista passa a compará-lo a seu irmão Fred e o chama apenas pelo codinome. O envolvimento visível dos personagens parece indiferente aos olhos de Holly, que continua a ansiar pela união com homens que possam lhe suprir as carências materiais, ao passo que seu companheiro distancia-se cada vez mais de sua amante para dedicar-se à garota, que decide casar-se com um fazendeiro brasileiro.

Em uma cena na qual fazia sua primeira (e única) peça de tricô, pelo rádio, ouvimos, junto à concentrada personagem, lições de língua portuguesa. No entanto, por descuido ou displicência, os ensinamentos são passados em português de Portugal, e não do Brasil, cujas variações de significados, se mal aplicadas, podem deixar constrangidos os iniciantes.

Apesar das pretensões, novamente Holly é atropelada por desígnios desconhecidos e, como todo bom filme romântico, atende aos desejos dos espectadores sonhadores e o desfecho é a sempre esperada união do casal principal, cujas ambições, aparentemente, cedem espaço para sentimentos mais socialmente aceitáveis.

Embora se entregue às previsibilidades no enceramento, o filme continua a ser uma das referências do cinema. A já citada atuação de Audrey Hepburn e a forma como é apresentado o amadurecimento da personagem e sua consequente mudança de posicionamento em relação à vida, principalmente após dolorosas palavras ditas a ela pelo escritor Varjak, são pontos em que o longa-metragem se afasta definitivamente das banalidades existentes sobre o mesmo assunto.

À época do lançamento, Bonequinha de Luxo conquistou as estatuetas de Melhor Canção Original e Melhor Trilha Sonora do Oscar, em 1962. 

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Lei de Talião

3/05/2015 0 Comments



Sniper americano Em uma guerra, não há certezas. A necessidade de cumprir o trabalho em nome de um país recai sobre os soldados, independentemente de seus pontos de vista e convicções. O número de mortos evidencia a dedicação em combate, mas não denigre a imagem do atirador, transformado em herói de seu povo. Mas os que acompanham as batalhas apenas pela intermediação de relatos, principalmente jornalísticos, nem sempre compreendem os reflexos de um campo de guerra sobre os que lá vivem e sobrevivem.

Com abordagem mais humanizada, ainda que apresente também as tradicionais cenas sangrentas de guerra, Sniper Americano oferece uma perspectiva diferenciada da realidade dos confrontos a partir das reminiscências de Chris Kyle, cuja vida e personalidade são modificadas pela experiência como militar na guerra do Iraque, na qual lutou por cerca de mil dias, para defender o seu país, os Estados Unidos. O filme dirigido por Clint Eastwood é baseado no livro American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U. S. Military History, de Kyle.

O longa-metragem, que conquistou somente a estatueta de Melhor Edição de Som do Oscar, retrata o confronto e dramatiza a história do homem considerado o maior atirador norte-americano, responsável oficialmente por cerca de 160 mortes durante o combate. “A Lenda”, como ficou conhecido Kyle, era tido como o salvador dos seus conterrâneos e colegas combatentes pelo seu desempenho e cuidados com o próximo.

No entanto, a referência à aptidão indiscutível do sniper, vivido por Bradley Cooper, torna-se secundária diante dos dramas pelos quais passa o personagem. O até então cowboy troca a fúria de touros pela de armas ao descobrir, por meio de um noticiário, ataques à embaixada americana em diferentes países. Em aproximadamente duas horas, o espectador acompanha a degradação psicológica de Kyle, diretamente proporcional ao seu reconhecimento como um dos mais importantes SEALs da Marinha dos Estados Unidos.

Natural do Texas, Kyle abandona sua cidade para ingressar nas Forças Armadas e proteger o país dos terroristas que o ameaçaram nos meses anteriores ao atentado ao World Trade Center. Após sua decisão, conhece Taya Renae, com quem se casa. Na festa em comemoração à união, Keyle recebe a ordem para ir ao Iraque em combate.

Ao se confrontar com a crueldade da guerra, opta por encarar friamente os dias de trabalho, nos quais deve cumprir o que lhe foi mandado: matar; eliminar os inimigos e defender a sua pátria. Mecanicamente, aperta o gatilho em direção a mulheres, crianças e todos os que representam perigo a si próprio e aos companheiros americanos. Mas, paulatinamente, são notadas as mudanças na personalidade do atirador. Kyle abandona leveza e a jovialidade características, dando lugar a um temeroso homem de barba, cujas tensões são perfeitamente vislumbradas nas expressões endurecidas de Cooper, valorizadas por opções de enquadramento com planos fechados nos olhos, rosto e movimentos do ator.

A violência crescente de Kyle demonstra os transtornos causados pelas experiências vivenciadas e observadas no Iraque, em um cenário de destruição, entre corpos feridos e mutilados, mortos e destroços de casas e prédios, acentuando ainda mais a dicotomia entre Iraque e Estados Unidos. As cenas que se passam no continente americano são caracterizadas por maior claridade e nitidez em oposição à escuridão da realidade iraquiana, na qual prevalece a Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”, conforme se pode verificar na cena em que um delator é assassinado a sangue frio, junto a seu filho, que é torturado e morto, transpassado por uma furadeira, publicamente.

Mesclando os dramas dos campos de batalha e conflitos pessoais, Sniper Americano não pode ser considerado apenas um filme de guerra, mas também um longa-metragem com forte teor psicológico e dramático capaz de absorver o público, transferindo-o plenamente para o mundo real adaptado por Eastwood, apesar de repetir a fórmula batida de evidenciar estratégias de batalhas sanguinárias e atos atrozes americanos como corretos, nobres e heroicos.




Publicado na coluna "Bagdá Café", do jornal Folha da Manhã, e no Blog Opiniões, no dia 4 de março.

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